Fraudes Bancárias e a “Mão Fantasma”: O Superior Tribunal de Justiça reforça a responsabilidade dos Bancos e protege o consumidor

No cenário digital atual, onde as transações financeiras são cada vez mais rápidas e acessíveis, a conveniência caminha lado a lado com a crescente sofisticação de golpes e fraudes. Muitos consumidores se veem em situações delicadas, vítimas de criminosos que exploram a tecnologia e a boa-fé das pessoas para causar prejuízos financeiros significativos. Entre os golpes mais perniciosos, destaca-se o que ficou conhecido como “golpe da mão fantasma” ou “golpe do acesso remoto”, que tem gerado intensos debates sobre a responsabilidade das instituições financeiras e a suposta “culpa” do consumidor.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu uma decisão de grande impacto para os consumidores, estabelecendo um importante precedente que fortalece a proteção contra essas modalidades de fraude. No julgamento do Recurso Especial Nº 2220333 – DF, o STJ reafirmou que, em casos de golpe da “mão fantasma”, a responsabilidade pela reparação dos prejuízos é integralmente do banco, afastando a ideia de “culpa concorrente” do consumidor que é induzido ao erro.
Entendendo o “Golpe da Mão Fantasma”: uma Ameaça silenciosa e enganosa
O “golpe da mão fantasma” é uma complexa estratégia de engenharia social onde criminosos se aproveitam da confiança e, muitas vezes, da falta de familiaridade tecnológica das vítimas. O modus operandi geralmente envolve:
- Contato enganoso: O golpista entra em contato com a vítima, frequentemente por telefone, e-mail ou mensagem, fingindo ser um preposto do banco, ou de alguma empresa de segurança, ou até mesmo um “técnico” que oferece suporte para um suposto problema na conta ou cartão.
- Indução à instalação de software: Sob o pretexto de “resolver o problema” ou “aumentar a segurança”, o golpista convence a vítima a instalar um aplicativo ou programa em seu smartphone ou computador. Esse software, na verdade, é malicioso e concede acesso remoto (a “mão fantasma”) ao dispositivo da vítima.
- Controle e fraude: Com o acesso remoto, o criminoso consegue manipular o dispositivo da vítima, realizar transações bancárias, contratar empréstimos em nome dela, ou até mesmo transferir valores via Pix ou outros meios, tudo sem o consentimento real e consciente do titular da conta. Muitas vezes, a vítima acompanha tudo em tempo real, sem entender o que está acontecendo, ou acredita estar “validando” um procedimento legítimo.
A natureza insidiosa desse golpe reside no fato de que o consumidor, ao instalar o programa, acredita estar agindo para sua própria proteção, induzido por uma falsa sensação de segurança e legitimidade da pessoa que o contata.
A jornada judicial da vítima: do Tribunal de Justiça ao STJ
O caso específico que levou à decisão do STJ envolveu uma consumidora, vítima do “golpe da mão fantasma”, que teve um empréstimo fraudulento de R$ 45.000,00 contratado em seu nome e diversas transações realizadas a partir desse valor.
Inicialmente, em primeira instância, o juiz reconheceu a fraude e condenou o BRB Banco de Brasília S.A. a indenizar a consumidora pelos danos materiais (R$ 55.046,84) e morais (R$ 2.000,00), destacando que as transações eram “inidôneas” e “completamente fora do perfil da consumidora”.
No entanto, em segunda instância, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) reformou parcialmente a decisão. O TJDFT aplicou a tese da culpa concorrente, argumentando que a consumidora também teria contribuído para o evento ao “permitir que terceiros acessassem o seu celular”. Com base nisso, reduziu a condenação do banco em 50% dos danos materiais e afastou a indenização por danos morais. Essa decisão representava um duro golpe para as vítimas, que se viam parcialmente responsáveis por uma fraude da qual foram induzidas.
A virada no STJ: a proteção do consumidor é reforçada
A consumidora, inconformada com a redução da indenização, recorreu ao Superior Tribunal de Justiça. E foi no STJ que a justiça encontrou seu pleno sentido. O Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do processo, e a Terceira Turma do STJ, por unanimidade, deram provimento ao recurso especial, revertendo a decisão do TJDFT e restabelecendo a condenação integral do banco pelos danos materiais.
A decisão do STJ se fundamentou em pontos cruciais que beneficiam o consumidor:
- Defeito na prestação do serviço bancário: O STJ reafirmou que a validação de operações “suspeitas, atípicas e alheias ao perfil de consumo do correntista” configura um defeito na prestação de serviço do banco. Ou seja, a instituição financeira falhou em seu dever de segurança, mesmo que o fraudador tenha manipulado o cliente. Conforme a ementa do Recurso Especial Nº 2220333 – DF: “A validação de operações suspeitas, atípicas e alheias ao perfil de consumo do correntista deixa à mostra a existência de defeito na prestação do serviço, a ensejar a responsabilização das instituições financeiras.“
- Inexistência de risco consciente por parte da vítima: Este é o ponto central que diferencia a decisão do STJ. O Tribunal argumentou que a teoria do “risco concorrente” deve ser interpretada de forma restritiva. Para que um consumidor seja considerado responsável por “assumir o risco”, ele deveria “pressupor, presumir, depreender, suspeitar, pressentir, enfim, inferir que a sua conduta poderia potencializar o risco de sofrer danos”. No contexto do golpe da “mão fantasma”, onde o criminoso se apresenta como um representante do banco e induz a vítima a instalar um software para uma suposta “regularização” ou “segurança”, não é razoável concluir que a vítima assumiu um risco consciente. O acórdão é enfático nesse aspecto: “Não é razoável entender que a vítima de um golpe, ao instalar programa de captação dissimulada de dados pessoais em seu dispositivo, sob a orientação de pessoa que dizia ser preposta do banco, assumiu o risco consciente de vir a sofrer danos.“
- Responsabilidade objetiva da Instituição Financeira: O STJ reiterou a jurisprudência consolidada de que a responsabilidade dos bancos é objetiva, fundamentada no risco da atividade. Isso significa que os bancos respondem pelos danos causados por fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito das operações bancárias (fortuito interno), independentemente de culpa, salvo culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Em casos como o da “mão fantasma”, a manipulação do consumidor é parte da estratégia fraudulenta que o sistema de segurança do banco deveria ter detectado e impedido, caracterizando, assim, um fortuito interno. Vários precedentes foram citados, como o AgInt no REsp 2.056.005/SE, que destaca: “Hipótese em que não se trata de fortuito externo, notadamente porque a fraude ocorreu por meio de furto eletrônico de dados. Na verdade, houve falha do sistema de prevenção à fraude da instituição bancária ao aprovar a renovação de empréstimo de alto valor, além de diversas transferências e criação de chave Pix num mesmo dia, ou seja, movimentações fora do perfil financeiro da cliente.“
A decisão, portanto, condena a instituição bancária a restituir 100% dos danos materiais, mantendo o afastamento da condenação por danos morais, já que a consumidora não se insurgiu contra essa parte da decisão do tribunal de origem em seu recurso ao STJ.
O que essa decisão significa para você, consumidor?
A determinação do STJ é um alento para os consumidores e um alerta para as instituições financeiras. Ela significa que:
- Proteção reforçada: Em casos de “golpe da mão fantasma” e outras fraudes de engenharia social que exploram a boa-fé e a falta de conhecimento técnico do consumidor, o STJ entende que o banco não pode simplesmente dividir a responsabilidade com a vítima, alegando culpa concorrente.
- Dever de segurança do Banco: A decisão reforça que os bancos têm o dever de criar e aprimorar constantemente mecanismos de segurança capazes de identificar e coibir transações atípicas e suspeitas que fujam ao perfil de consumo de seus clientes.
- Indenização integral: Se você for vítima de um golpe como a “mão fantasma” e o banco falhar em impedir as transações fraudulentas, a instituição financeira deverá arcar integralmente com os prejuízos materiais sofridos, salvo raras exceções onde a culpa do consumidor for exclusiva e consciente.
- Fim da insegurança de “culpar a vítima”: A tese da “culpa concorrente” nesses casos era frequentemente utilizada pelos bancos para reduzir sua responsabilidade. Com a clareza do STJ, essa prática tende a diminuir, garantindo maior justiça para as vítimas.
O Que Fazer em Caso de Fraude Bancária?
Apesar da decisão favorável do STJ, a prevenção ainda é a melhor defesa. No entanto, se você se tornar vítima de um golpe como o da “mão fantasma” ou qualquer outra fraude bancária, é crucial agir rapidamente:
- Contate imediatamente o Banco: Informe a ocorrência da fraude e solicite o bloqueio das transações e da conta, se necessário.
- Registre um boletim de ocorrência: A denúncia à polícia é fundamental para documentar o ocorrido e auxiliar nas investigações.
- Reúna evidências: Guarde todos os registros de contato, mensagens, comprovantes de transações e qualquer outra informação que possa comprovar a fraude.
- Busque orientação jurídica: Um advogado especializado em direito do consumidor poderá analisar seu caso, orientá-lo sobre os próximos passos e representá-lo judicialmente para buscar a reparação integral dos danos.
Conclusão: um passo importante para a confiança digital
A decisão do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial Nº 2220333 – DF é um marco fundamental para o direito do consumidor no Brasil. Ela não apenas protege as vítimas de golpes de engenharia social, mas também envia uma mensagem clara aos bancos sobre a importância de aprimorar seus sistemas de segurança e assumir a responsabilidade inerente aos riscos de sua atividade.
Em um mundo cada vez mais conectado, onde a complexidade das fraudes acompanha o avanço tecnológico, é essencial que o consumidor saiba que não está desamparado.



