Herança de fundos de investimento: o Superior Tribunal de Justiça decide pela não incidência de imposto de renda sobre o valor histórico

25 de dezembro de 2025 - Por: Fábio Fernando Martini,

Herança de fundos de investimento: o Superior Tribunal de Justiça decide pela não incidência de imposto de renda sobre o valor histórico

A questão da herança, por si só, já é um tema delicado e que envolve diversas complexidades emocionais e jurídicas. Quando adicionamos a isso o universo dos investimentos e a malha tributária brasileira, as dúvidas e incertezas podem se multiplicar exponencialmente para os herdeiros. Uma das principais preocupações que frequentemente chega aos nossos clientes é sobre a incidência de Imposto de Renda (IR) na transferência de fundos de investimento por sucessão, especialmente quando esses bens são mantidos pelo valor histórico declarado pelo falecido.
Felizmente, uma recente e importante decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trouxe clareza e segurança jurídica para muitos brasileiros, pacificando o entendimento de que a mera transferência de cotas de fundos de investimento por herança, quando realizada pelo valor histórico constante da última Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física (DIRPF) do falecido, não deve ser tributada pelo Imposto de Renda.

O cenário de dúvida: por que essa discussão era necessária?
Historicamente, a Receita Federal do Brasil possuía uma interpretação que gerava bastante apreensão. Através de atos normativos, como o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 13/2007, e uma aplicação extensiva de certas leis, havia a compreensão de que a simples transferência da titularidade de fundos de investimento aos herdeiros já poderia configurar um fato gerador para a cobrança de Imposto de Renda, mesmo que não houvesse resgate dos valores ou um ganho patrimonial efetivo naquele momento.
Essa visão conflitava diretamente com o senso comum e com princípios basilares do direito tributário, que estabelecem que o Imposto de Renda incide sobre o “acréscimo patrimonial” ou “renda”. A transferência de um bem de um patrimônio para outro, sem que haja uma valorização ou resgate que gere ganho, não parecia se encaixar nessa definição, mas a ausência de um posicionamento definitivo dos tribunais superiores mantinha a insegurança.

A posição do STJ: um alívio para os herdeiros
Foi nesse contexto que o Superior Tribunal de Justiça, em um julgamento marcante, ao analisar o Recurso Especial nº 1.736.600 – RS, decidiu por dar provimento parcial ao recurso, restabelecendo o entendimento de que não há incidência de Imposto de Renda na situação descrita. A Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Moura, em seu voto, explicou de forma contundente os motivos para tal decisão.
A fundamentação do STJ, conforme a Ementa do acórdão, é clara:

“A transmissão de bens e direitos por herança, quando avaliados pelo valor histórico constante da declaração de bens do de cujus, não se submete à incidência do Imposto de Renda, por não configurar acréscimo patrimonial apto a gerar o fato gerador previsto no art. 43 do CTN.”

Isso significa que, para o STJ, a simples mudança de titularidade de um fundo de investimento para os herdeiros, mantendo o valor que o falecido declarava em sua DIRPF (o chamado “valor histórico”), não gera um “acréscimo patrimonial” que justifique a cobrança de Imposto de Renda. O fato gerador do Imposto de Renda, conforme o Art. 43 do Código Tributário Nacional (CTN), é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos. Na ausência de um ganho real, não há imposto de renda a ser pago.

Os pilares da decisão judicial: o que a lei realmente diz?
A decisão do STJ se apoia em legislações específicas que os herdeiros já defendiam:

  1. Isenção para bens recebidos por herança: O artigo 6º, inciso XVI, da Lei nº 7.713/1988 é taxativo ao isentar do Imposto de Renda os rendimentos percebidos por pessoas físicas na forma de doação ou herança. A transmissão em si, portanto, é isenta.
  2. Ganho de capital apenas na valorização real: A Lei nº 9.532/1997, em seu artigo 23, § 1º, é fundamental para essa compreensão. Ela estabelece que, na transferência de bens e direitos por sucessão, estes podem ser avaliados a valor de mercado ou pelo valor constante da declaração de bens do falecido. Contudo, a incidência de Imposto de Renda somente ocorrerá sobre a diferença positiva entre o valor de mercado e o valor declarado, caso a transferência seja efetuada a valor de mercado. Ou seja, se os herdeiros optarem por manter o valor histórico, não há “ganho de capital” a ser tributado pelo IR naquele momento: “A Lei nº 9.532/1997, em seu art. 23, § 1º, corrobora essa interpretação ao dispor que a incidência do Imposto de Renda somente ocorrerá sobre a diferença positiva entre o valor de mercado e o valor constante da declaração de bens do de cujus, caso a transferência seja efetuada a valor de mercado. Assim, a transferência pelo valor histórico não configura ganho de capital tributável.
  3. Natureza da “alienação”: A discussão também girava em torno do que se configuraria como “alienação” para fins de Imposto de Renda. O STJ esclareceu que a transferência causa mortis (por motivo de morte) pelo valor histórico não se confunde com uma alienação voluntária que gera ganho de capital. A intenção dos herdeiros é simplesmente assumir o patrimônio, e não realizar um lucro imediato. O resgate das cotas, que geraria o fato gerador, não ocorre na mera transferência.

Distinção importante: IR x ITCMD
É crucial ressaltar que esta decisão trata especificamente do Imposto de Renda. A única exação incidente sobre a transmissão de patrimônio em decorrência de sucessão por falecimento é o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). Este é um imposto de competência estadual e sua cobrança é legítima. A decisão do STJ evita o que a doutrina tributária chama de “bis in idem”, ou seja, a cobrança duplicada de impostos sobre o mesmo fato gerador (no caso, a herança), uma vez pelo ITCMD e outra pelo IR.
O Ministro Gurgel de Faria, em precedente citado no acórdão, bem como a doutrina de Ricardo Lobo Torres, reforçam esse ponto: o Imposto de Renda deve incidir sobre os ganhos de capital realizados, ou seja, quando há uma efetiva venda ou resgate com lucro. A herança, em si, não é um ganho de capital, mas a transmissão de um patrimônio preexistente.

O que isso significa para você, herdeiro?
Para o herdeiro que recebe cotas de fundos de investimento e opta por mantê-las pelo valor histórico declarado pelo falecido, essa decisão do STJ representa uma grande vitória e um significativo alívio. Significa que:

  • Sem imposto de renda na transferência: Você não precisará pagar Imposto de Renda sobre a transferência das cotas para o seu nome, desde que o valor seja o mesmo declarado na última DIRPF do falecido.
  • Segurança jurídica: A decisão do STJ oferece maior segurança jurídica, protegendo os herdeiros de interpretações fiscais mais rigorosas e potencialmente indevidas.
  • Tributação futura, se houver ganho: O Imposto de Renda só incidirá caso você, no futuro, decida resgatar ou vender essas cotas por um valor superior ao valor de aquisição (que, neste caso, será o valor histórico transferido). Aí sim, haverá um ganho de capital real que será tributado, como é a regra geral para qualquer investimento.

É importante sublinhar que a pretensão dos sucessores é apenas de assumir o patrimônio do de cujus (termo jurídico para o falecido), substituindo-o em suas relações com a instituição financeira. Não se pode criar uma “ficção jurídica” de resgate ou venda para justificar a tributação.

Conclusão e recomendação
A decisão do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.736.600 – RS é um marco importante para a segurança jurídica e para a proteção do patrimônio dos herdeiros no Brasil. Ela reafirma princípios tributários essenciais e oferece clareza sobre um tema que gerava muitas dúvidas e disputas.
No entanto, a legislação tributária e as questões sucessórias são vastas e complexas. Cada caso possui suas particularidades e nuances que merecem atenção especializada. É fundamental contar com o apoio de profissionais qualificados para garantir que seus direitos sejam plenamente respeitados e que todas as obrigações sejam cumpridas de forma correta e eficiente.