STJ garante que a quota-parte do cônjuge não executado deve ser calculada pelo valor de avaliação do imóvel

24 de dezembro de 2025 - Por: Gabrielle Tesser Gugel,

STJ garante que a quota-parte do cônjuge não executado deve ser calculada pelo valor de avaliação do imóvel

Lidar com dívidas e execuções judiciais já é uma situação desafiadora, mas o cenário se torna ainda mais delicado quando envolve a penhora de um bem que pertence a mais de uma pessoa, como um imóvel de um casal ou de coproprietários. Uma das questões mais recorrentes e que gerava incerteza jurídica era: se um cônjuge (ou coproprietário) não tem envolvimento com a dívida e decide exercer seu direito de preferência para adquirir o bem penhorado em leilão, como sua parte no imóvel deve ser calculada? Seria pelo valor de avaliação oficial ou pelo preço de arrematação (que geralmente é mais baixo)?
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) trouxe clareza a essa importante questão. No julgamento do Recurso Especial nº 2.180.611 – DF, a Quarta Turma do STJ reafirmou um entendimento fundamental: a quota-parte do cônjuge ou coproprietário alheio à execução, que exerce o direito de preferência na arrematação de um bem indivisível, deve ser calculada sobre o valor de avaliação do bem, e não sobre o preço final da arrematação.

O cenário: bem indivisível, dívida e o dilema da avaliação
Imagine a seguinte situação: um casal possui um imóvel em conjunto. Um dos cônjuges (o executado) contrai uma dívida e, para quitá-la, o imóvel é penhorado. O outro cônjuge (o não executado), que não tem responsabilidade pela dívida, tem o direito de preferência para adquirir o bem por completo em um leilão, caso deseje mantê-lo.
A questão que surgia era: se o imóvel foi avaliado em, digamos, R$ 500.000,00, mas no leilão foi arrematado por R$ 300.000,00 (um valor comum em leilões, que podem ocorrer por 50% ou 70% da avaliação), qual seria a base de cálculo para a quota-parte do cônjuge não executado? Se fosse pelo valor de arrematação, ele receberia menos do que o bem realmente valia.
A legislação, especificamente o Art. 843 do Código de Processo Civil (CPC), prevê a possibilidade de penhora e alienação integral de um bem indivisível para saldar a dívida de um dos coproprietários. Contudo, ela também garante a proteção ao patrimônio do cônjuge ou coproprietário que não tem relação com a dívida.

A decisão do STJ: proteção patrimonial acima do preço de leilão
O caso que chegou ao STJ envolvia uma ação de indenização em fase de cumprimento de sentença. Um imóvel de propriedade comum do executado e de sua cônjuge foi penhorado e levado a leilão. O imóvel foi avaliado em R$ 350.000,00. No segundo leilão, a cônjuge, exercendo seu direito de preferência, arrematou o bem por R$ 245.000,00 (70% do valor da avaliação).
A discussão central era se a quota-parte da cônjuge deveria ser calculada sobre os R$ 350.000,00 (valor de avaliação) ou sobre os R$ 245.000,00 (valor de arrematação).
A Ministra Relatora, Nancy Andrighi, destacou em seu voto que a interpretação correta do Art. 843, caput e § 2º, do CPC é no sentido de que a quota-parte do coproprietário alheio à execução recairá sobre o valor de avaliação do bem, e não sobre o preço pelo qual ele foi arrematado. Essa interpretação visa a preservar o patrimônio do coproprietário ou cônjuge que não tem nada a ver com a dívida.
Conforme a Ementa do Recurso Especial nº 2180611 – DF:
“Extrai-se do art. 843, caput e § 2º, do CPC que, em se tratando de penhora de bem indivisível, a quota-parte do coproprietário ou do cônjuge alheio à execução recairá sobre o valor de avaliação do bem, como forma de preservar seu patrimônio.”
A decisão do STJ reforça que o exercício do direito de preferência, concedido pelo §1º do Art. 843, permite ao coproprietário adquirir o bem em igualdade de condições com terceiros, mas sem perder o direito de receber sua parte integralmente, calculada sobre o valor de avaliação.

Por que essa decisão é tão importante para você?
Esta decisão do STJ traz segurança jurídica e protege financeiramente os coproprietários e cônjuges que se encontram em situação de penhora de bens. Veja os principais pontos:

  1. Proteção do patrimônio: Garante que o coproprietário ou cônjuge não executado não seja prejudicado pela desvalorização do bem em leilão. Sua parte será sempre calculada com base no valor real do imóvel, conforme a avaliação judicial.
  2. Igualdade de condições: Ao exercer o direito de preferência, o coproprietário não é obrigado a recalcular sua quota-parte sobre um valor inferior (o de arrematação), o que ocorreria se não houvesse essa proteção.
  3. Segurança em casos de leilão: Oferece uma camada extra de proteção para quem, mesmo sem ter culpa na dívida, vê seu patrimônio comum sendo afetado por uma execução judicial.
  4. Coerência com a Legislação: O STJ interpreta o Art. 843 do CPC de forma a harmonizar a necessidade de satisfazer o credor com o dever de proteger o patrimônio do inocente na execução.

A própria Ministra Nancy Andrighi esclareceu, conforme o documento, que “a proteção legal ao coproprietário não executado impede que sua quota-parte seja apurada sobre valor inferior ao da avaliação, mesmo no exercício de seu direito de preferência.”

Conclusão e recomendação
A decisão do STJ no Recurso Especial nº 2.180.611 – DF é uma vitória para a segurança patrimonial de cônjuges e coproprietários que não são parte de uma execução judicial. Ela reforça o compromisso do judiciário em proteger o cidadão de boa-fé e garantir que os processos de execução sejam conduzidos com a máxima justiça e respeito aos direitos de todos os envolvidos.
Se você possui um bem em copropriedade e se encontra em uma situação de penhora ou execução judicial, é fundamental buscar orientação jurídica especializada. Um advogado poderá analisar seu caso, esclarecer seus direitos e auxiliá-lo a tomar as melhores decisões para proteger seu patrimônio, seja na condição de executado ou de coproprietário alheio à dívida.