TJ-SP decide: Afastada multa a moradora que cortou árvore infestada por cupins

Quando a urgência da situação justifica uma ação sem autorização prévia?
A preservação do meio ambiente é um dever de todos, e a legislação ambiental, muitas vezes, é rigorosa. Cortar ou podar árvores, mesmo que em sua propriedade, geralmente exige autorização prévia dos órgãos competentes. No entanto, o que acontece quando uma situação de emergência, como uma infestação de pragas que ameaça seu imóvel, surge em um momento de paralisação dos serviços públicos, como ocorreu durante a pandemia da COVID-19?
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) proferiu uma importante decisão no Apelação Cível nº 1012025-43.2022.8.26.0071 que trouxe luz a essa questão, reconhecendo o “estado de necessidade” como justificativa para o corte e poda drástica de árvores, mesmo sem a devida autorização municipal, em circunstâncias excepcionais.
O Caso: infestação de cupins, pandemia e a ação de uma proprietária
O caso em questão envolveu uma proprietária do município de Bauru que se viu diante de um grande dilema: duas árvores em frente à sua residência estavam severamente infestadas por cupins. Essa praga já havia atingido não apenas a calçada, mas também seu imóvel, gerando risco de danos estruturais e comprometendo a segurança da moradia.
Diante da urgência da situação e da ameaça que a infestação representava, a proprietária decidiu realizar o corte e a poda drástica das árvores. Ocorre que essa ação foi feita sem a prévia autorização da Prefeitura Municipal de Bauru.
Para agravar a situação, os fatos ocorreram em janeiro de 2021, período em que o município estava na “Fase Vermelha” do Plano São Paulo, devido à pandemia da COVID-19. Isso significava que os órgãos públicos responsáveis pela emissão de autorizações estavam com seus atendimentos restritos ou paralisados, inviabilizando que a proprietária obtivesse a permissão necessária de forma célere.
A Prefeitura, contudo, lavrou dois autos de infração ambiental contra a proprietária. Em primeira instância, a Justiça manteve as multas. Inconformada, a proprietária recorreu ao TJSP.
A Decisão do TJSP: Reconhecimento do “Estado de Necessidade” e Anulação das Multas
A 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do TJSP, ao analisar o caso, deu provimento ao recurso da proprietária e anulou as multas ambientais. A decisão se baseou em pontos cruciais:
- O estado de necessidade comprovado:
- Foi demonstrado que as árvores estavam, de fato, infestadas por cupins e que essa praga representava um risco iminente para o imóvel e para a segurança dos ocupantes.
- O laudo técnico, inclusive, realizado posteriormente pela própria Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SEMMA), confirmou o mau estado fitossanitário de uma das árvores remanescentes, com infestação de cupins, rachaduras e inclinação para a residência, sugerindo sua supressão.
- A Corte entendeu que a proprietária agiu sob “estado de necessidade”, ou seja, sacrificou um bem jurídico menor (as árvores infestadas) para salvaguardar um bem jurídico maior (a preservação de sua residência e a segurança das pessoas).
- Paralisação dos serviços públicos pela pandemia: O contexto da pandemia e a restrição dos serviços públicos foram considerados um fator determinante. A impossibilidade de obter a autorização prévia por razões alheias à vontade da proprietária foi um elemento fundamental para o reconhecimento da excepcionalidade da situação.
- Responsabilidade municipal no manejo de árvores: O Tribunal também relembrou que a própria Municipalidade tem responsabilidade pela manutenção e manejo de exemplares arbóreos em espaços públicos, visando a segurança e o bem-estar dos cidadãos. Isso inclui a fiscalização e a orientação sobre intervenções em árvores. A proprietária, inclusive, já havia solicitado a substituição das árvores em 2017, sem sucesso.
A decisão enfatizou que, embora a proteção ambiental seja essencial, o caso concreto apresentava elementos que justificavam a flexibilização da regra em prol de um bem maior e sob uma situação de força maior, como a pandemia.
O que essa decisão significa para o proprietário?
Esta importante decisão do TJSP traz lições valiosas e clareza para situações excepcionais:
- Não é uma licença para cortar árvores arbitrariamente: É fundamental ressaltar que essa decisão não confere a proprietários o direito de cortar ou podar árvores sem autorização em qualquer circunstância. A regra geral da necessidade de prévia permissão municipal continua válida.
- O “Estado de Necessidade” deve ser comprovado: A anulação das multas ocorreu porque a situação de risco e a infestação foram amplamente demonstradas e, inclusive, confirmadas por um órgão municipal. Além disso, a impossibilidade de obter autorização prévia foi um fator decisivo.
- Documente tudo: Em casos de emergência, se você precisar tomar uma ação que normalmente exigiria autorização, documente o máximo possível:
- Fotos e vídeos do problema (infestação, risco de queda, danos).
- Tentativas de contato com os órgãos competentes (ligações, e-mails, protocolos de atendimento), mostrando a dificuldade de obter a autorização.
- Orçamentos ou laudos de especialistas que atestem o risco.
- A responsabilidade do Município: A decisão também destaca a responsabilidade do poder público na gestão e manutenção do patrimônio arbóreo, incluindo a agilidade no atendimento de pedidos de supressão ou poda em situações de risco.
- Busque orientação jurídica especializada: Se você foi multado por uma ação que acredita ter sido tomada sob “estado de necessidade” ou em circunstâncias excepcionais, procure um advogado especializado. A avaliação de cada caso é fundamental para determinar a viabilidade de anular uma multa ambiental.
Conclusão: equilíbrio entre preservação e segurança
A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo demonstra que o direito ambiental, embora rigoroso, não é inflexível. Em situações de real e comprovado “estado de necessidade”, especialmente quando agravadas por fatores externos como a paralisação de serviços públicos, a Justiça pode ponderar os bens jurídicos envolvidos e anular sanções que seriam, de outra forma, aplicáveis.
Para o proprietário, é uma lição sobre a importância de agir com cautela, mas também de conhecer seus direitos quando se depara com situações que colocam em risco seu patrimônio e sua segurança. Diante de multas ambientais ou questões complexas envolvendo o manejo de árvores em sua propriedade, a orientação de um escritório de advocacia especializado é essencial para analisar o caso e buscar a melhor defesa.



