Ação monitória e a defesa por “negativa geral”: o STJ protege o Direito de prova do credor

24 de dezembro de 2025 - Por: Gabrielle Tesser Gugel,

Ação monitória e a defesa por “negativa geral”: o STJ protege o Direito de prova do credor

A recuperação de dívidas é um desafio constante para empresas e pessoas. Nesses casos, a Ação Monitória é uma ferramenta jurídica valiosa, criada para facilitar a cobrança de valores quando o credor possui documentos que comprovam o débito – como notas fiscais, contratos ou duplicatas – mas que ainda não têm a força de um “título executivo” (um documento que permite a cobrança direta, como um cheque sem fundos). Ela foi pensada para ser mais rápida que um processo comum, mas, como todo procedimento judicial, possui suas particularidades e momentos que exigem atenção.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu uma decisão crucial no Recurso Especial nº 2.133.406 – SC, que reforça a importância do devido processo legal e do direito à produção de provas, mesmo em situações complexas onde o devedor não é encontrado e se faz representar por um Curador Especial. Essa decisão é um marco para a segurança jurídica dos credores no Brasil.

O que é uma Ação Monitória e quando ela se torna mais complexa?
Em termos simples, a Ação Monitória permite que um credor apresente documentos que indicam fortemente uma dívida. Se o devedor não pagar ou não apresentar uma defesa consistente, o juiz pode rapidamente transformar essa dívida em um título executivo, facilitando a cobrança.
A complicação surge quando o devedor não é encontrado para ser citado pessoalmente. Nesses casos, a lei permite a citação por edital, que é uma publicação oficial convocando o devedor. Se, mesmo após essa publicação, o devedor não aparecer, o juiz nomeia um Curador Especial.
O Curador Especial é um advogado dativo (nomeado pelo juiz) cuja função é defender os interesses do devedor ausente. A grande particularidade aqui é que o Curador Especial tem a prerrogativa de apresentar uma “negativa geral”. Isso significa que ele pode contestar a dívida de forma genérica, sem precisar especificar cada ponto que discorda, já que não teve contato com o devedor e, portanto, não tem conhecimento detalhado dos fatos.

O problema que levou ao STJ: julgamento antecipado e a “negativa geral”
No caso julgado pelo STJ, uma empresa entrou com uma Ação Monitória para cobrar uma dívida, apresentando notas fiscais e duplicatas. O devedor  não foi encontrado e foi citado por edital. Após a nomeação, o Curador Especial apresentou a defesa por negativa geral.
Apesar da defesa genérica, o juiz de primeira instância decidiu julgar o caso antecipadamente, ou seja, sem permitir a produção de mais provas. O pedido de cobrança foi julgado improcedente (negado) sob o argumento de que a documentação inicial era “insuficiente” para comprovar a entrega das mercadorias ou a relação comercial. Essa decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
Ou seja, o credor viu sua ação ser negada por falta de provas, mesmo quando a defesa do devedor foi genérica e sem ter tido a oportunidade de “complementar” o conjunto probatório com mais elementos.

A decisão do STJ: um alerta para o dever de cooperação judicial
A credora recorreu ao STJ, e a Terceira Turma, sob a relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, deu provimento ao recurso especial, anulando as decisões anteriores e determinando que o processo retornasse à origem para que fosse feita uma instrução probatória adequada.
O STJ fundamentou sua decisão em princípios basilares do Código de Processo Civil (CPC), que visam garantir a justiça e a lealdade processual:

  1. Princípio da não surpresa (Art. 10 do CPC): O juiz não pode decidir com base em um fundamento sobre o qual as partes não tiveram oportunidade de se manifestar. No caso, o credor foi surpreendido com a improcedência por falta de provas, sem que lhe tivesse sido claramente indicado quais provas faltavam ou quais pontos eram controvertidos.
  2. Dever de cooperação (Art. 6º do CPC): O processo moderno exige que juízes e partes atuem de forma colaborativa para alcançar a verdade dos fatos. Diante de uma “negativa geral” do Curador Especial, e havendo dúvidas sobre os fatos, o juiz tem o dever de indicar os pontos controvertidos e dar a oportunidade ao credor de produzir as provas necessárias.
  3. Instrumentalidade das  formas e primazia do julgamento de mérito: O processo deve ser um instrumento para resolver o conflito de fundo (o mérito), e não para ser encerrado por questões formais sem dar a chance de corrigi-las. O objetivo é buscar a verdade real e a solução justa.
  4. Analogia ao art. 700, § 5º do CPC: Este artigo prevê que, se a documentação inicial da Ação Monitória for insuficiente, o juiz deve dar ao credor a oportunidade de emendar a petição ou converter a ação para o rito comum. O STJ entendeu que esse princípio de dar oportunidade para regularizar a prova se aplica, por analogia, com ainda mais razão, após a apresentação da defesa pelo Curador Especial. Como destacado no acórdão: “É indevida a extinção da monitória por falta de provas antes de ser dada a oportunidade de o credor juntar novos documentos ou de, por qualquer outro meio, comprovar a matéria controvertida.”

O STJ, portanto, anulou a sentença e o acórdão que negaram o pedido do credor, determinando que o processo retorne à origem para que seja realizada uma instrução probatória adequada. Isso significa que o credor terá a chance de apresentar mais provas para comprovar sua dívida, e o juiz deverá atuar de forma cooperativa para guiar essa produção de provas.

A decisão do STJ é um importante lembrete de que o direito à prova é fundamental para a justiça. Para credores, ela traz mais segurança:

  • Proteção contra julgamentos prematuros: A decisão resguarda o credor de ter sua ação negada sem uma oportunidade justa de provar o que alega, especialmente quando a defesa é genérica.
  • Reforço ao dever de cooperação judicial: O entendimento do STJ exige que os juízes sejam mais proativos em apontar lacunas probatórias e oferecer oportunidades de complementação, garantindo um processo mais justo e transparente.
  • Importância da assistência jurídica: Casos como este demonstram a complexidade do processo civil. A atuação de um advogado especialista é essencial para defender os direitos do credor em todas as fases, desde a coleta inicial de documentos até a interposição de recursos em instâncias superiores.

Conclusão: garantindo a efetividade da Justiça na cobrança de dívidas
A Ação Monitória é uma ferramenta poderosa, mas seus detalhes processuais podem ser traiçoeiros. A decisão do STJ no Recurso Especial nº 2.133.406 – SC é um farol que ilumina o caminho da justiça, garantindo que o direito de prova seja respeitado e que os princípios da cooperação e da não surpresa prevaleçam, mesmo diante da “negativa geral” de um Curador Especial.