Bens digitais no inventário: o que acontece com eles após o falecimento? nova decisão do STJ traz luz ao tema

Vivemos em uma era cada vez mais digital. Nossas vidas estão repletas de informações, documentos, fotos, vídeos, e até mesmo valores financeiros armazenados em computadores, celulares, redes sociais e plataformas online. Mas você já parou para pensar no que acontece com esses “bens digitais” quando uma pessoa falece?
Tradicionalmente, um processo de inventário lida com bens físicos – imóveis, veículos, joias, contas bancárias. No entanto, a realidade digital trouxe um novo desafio: como lidar com um acervo que pode ter valor patrimonial (como criptomoedas, direitos autorais de conteúdo digital, milhas aéreas valiosas) ou até mesmo valor afetivo (coleções de fotos e vídeos, perfis em redes sociais) e que, muitas vezes, está protegido por senhas que apenas o falecido conhecia?
Recentemente, uma importante decisão judicial lançou luz sobre essa questão complexa. Vamos desvendar juntos como a Justiça está lidando com o desafio da herança digital.
O desafio da herança digital: um vácuo na legislação
Até hoje, nossa legislação não possui regras claras e específicas para a herança de bens digitais. Isso gera um “vácuo legislativo” que dificulta a vida dos herdeiros e dos advogados. Como os herdeiros podem acessar algo que está em nome do falecido, mas protegido por senhas e termos de uso de plataformas online?
É nesse cenário que a Justiça busca soluções criativas e adequadas para garantir os direitos de todos. A decisão em questão aborda justamente essa lacuna, propondo um caminho para que os bens digitais não fiquem perdidos no ciberespaço.
A solução da Justiça: o incidente processual para bens digitais
A controvérsia central da decisão judicial era justamente como requerer informações sobre bens digitais em aparelhos eletrônicos de um falecido. A Corte entendeu que, quando os herdeiros não têm as senhas de acesso aos bens digitais do falecido, não basta simplesmente pedir à empresa (como Apple, Google ou Facebook) que “abra” o conteúdo. Isso poderia violar a privacidade do falecido e de terceiros.
A inovação trazida pela decisão é a necessidade de um “incidente processual de identificação, classificação e avaliação de bens digitais”. Mas o que significa isso?
Pense no inventário como um grande processo para listar e dividir a herança. O “incidente processual” é como um pequeno processo auxiliar, criado especificamente para lidar com os bens digitais, correndo em paralelo e anexo ao inventário principal.
Seu objetivo é tríplice:
- Identificar: Descobrir quais bens digitais existem.
- Classificar: Separar o que tem valor patrimonial (e pode ser partilhado) do que é de cunho pessoal (e talvez não deva ser revelado).
- Avaliar: Estimar o valor desses bens digitais, quando aplicável.
Este “incidente” será conduzido pelo mesmo juiz do inventário, que contará com o apoio de um “inventariante digital” – um profissional com expertise tecnológica adequada. Este especialista será responsável por buscar os bens digitais no computador ou outros aparelhos do falecido, sempre sob a supervisão do juiz e com o cuidado de preservar direitos de personalidade, como a intimidade do falecido e de terceiros.
O equilíbrio entre o direito à herança e a privacidade
Essa decisão demonstra um cuidado fundamental da Justiça em balancear dois direitos importantes:
- O direito dos herdeiros à herança: A Constituição Federal (art. 5º, XXX) garante que todos os bens do falecido sejam transmitidos aos seus herdeiros. Isso inclui o que existe no mundo digital e possui valor patrimonial.
- Os direitos de personalidade e intimidade: A privacidade do falecido e de terceiros não pode ser ignorada. Conteúdos pessoais, mensagens privadas, fotos íntimas, por exemplo, devem ser tratados com extremo cuidado para evitar exposições indevidas.
O incidente processual, assessorado pelo especialista digital, é o caminho para buscar esse equilíbrio, permitindo o acesso ao que é patrimonial sem violar desnecessariamente o que é estritamente pessoal.
Implicações práticas: o que fazer agora?
Essa decisão é um avanço significativo, mostrando que o Judiciário está atento às novas realidades. Para as famílias, isso significa que existe um caminho para tentar resgatar bens digitais importantes que, antes, poderiam ser considerados perdidos.
Para quem planeja seu futuro, é cada vez mais crucial considerar o planejamento da sua herança digital. Isso pode incluir deixar instruções claras sobre seus bens digitais, senhas de acesso (guardadas de forma segura e acessível apenas por pessoas de confiança) ou indicar um “testamenteiro digital”.
Conclusão: uma nova era para a herança digital
A decisão que estabelece o incidente processual para bens digitais é um marco. Ela não apenas preenche uma lacuna importante em nossa legislação, mas também demonstra a capacidade do Direito de se adaptar às transformações da sociedade. Garante que, mesmo no mundo virtual, o direito à herança seja respeitado, sem esquecer a proteção da intimidade e da privacidade.



