Comprou um imóvel e o registro foi negado? Entenda o óbice da indisponibilidade de bens

Você encontrou o imóvel dos seus sonhos, negociou o preço, assinou a escritura pública de compra e venda e, aliviado, espera apenas o registro em seu nome no Cartório de Registro de Imóveis. Parece um processo tranquilo, certo? Nem sempre. Uma recente decisão do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) (Apelação nº 1024045-32.2024.8.26.0577) veio reforçar um alerta importante: ordens de indisponibilidade de bens em nome do vendedor podem impedir o registro da sua escritura, mesmo que essas ordens tenham sido decretadas anos depois de você ter assinado o documento.
Essa decisão, embora pareça complexa, toca em um ponto fundamental da segurança jurídica nas transações imobiliárias e merece a atenção de compradores e vendedores. Vamos desvendar o que significa essa “indisponibilidade” e como se proteger.
O caso analisado: escritura antiga, indisponibilidade recente e registro bloqueado
A situação levada ao Conselho Superior da Magistratura do TJSP envolvia a tentativa de registro de uma Escritura Pública de Compra e Venda de um imóvel na Comarca de São José dos Campos. O comprador, Raul Machado Filho, apresentou a escritura, que havia sido lavrada em 1995, para registro.
No entanto, o 1º Oficial de Registro de Imóveis negou o registro. O motivo? Havia diversas ordens de indisponibilidade de bens averbadas na matrícula do imóvel em nome da vendedora, Concic Engenharia S/A. A primeira dessas ordens foi registrada em 2013 e a última em 2022, ou seja, muitos anos depois da lavratura da escritura de compra e venda original.
O comprador apelou, argumentando que a escritura era antiga e que as indisponibilidades eram posteriores à sua aquisição. Ele também mencionou a dificuldade de obter o cancelamento de tantas averbações, provenientes de diferentes Estados. Contudo, a decisão do TJSP foi clara: o recurso foi desprovido e o óbice ao registro foi mantido.
Entenda a “Indisponibilidade de Bens”: o que é e como afeta seu imóvel?
A indisponibilidade de bens é uma medida judicial ou administrativa que impede que um proprietário venda, doe ou realize qualquer outro ato que transfira a propriedade de um imóvel. É como se o bem ficasse “congelado” juridicamente. Ela é frequentemente decretada em processos de execução de dívidas (tributárias, trabalhistas, civis), falências, ou em casos de investigações de fraude, com o objetivo de garantir que o devedor não se desfaça de seu patrimônio para evitar o pagamento.
O princípio do tempus regit actum no Registro de Imóveis
A chave para entender a decisão do TJSP está em um princípio jurídico chamado tempus regit actum (o tempo rege o ato). No contexto do registro de imóveis, isso significa que:
- O que importa é a data da prenotação: Quando você leva um documento (como uma escritura) ao cartório para registro, ele é “prenotado”, ou seja, recebe um número de ordem e uma data. É a partir dessa data que o Oficial de Registro verifica se existem impedimentos para o registro.
- As regras são as do momento do registro: O Oficial deve observar as normas e as condições da matrícula do imóvel que existam na data da prenotação, e não na data em que a escritura foi lavrada ou o negócio foi celebrado.
Portanto, mesmo que sua escritura tenha sido assinada há 10 ou 20 anos, se no momento em que você a apresenta ao cartório para registro houver uma ordem de indisponibilidade averbada na matrícula do vendedor, o registro será impedido. O imóvel do vendedor está, por ordem judicial, “indisponível”, e o Oficial de Registro não pode simplesmente ignorar essa restrição.
Impactos e como se proteger
Essa decisão tem implicações importantes para compradores e vendedores de imóveis:
- Para o comprador:
- Atenção redobrada à diligência: É crucial realizar uma pesquisa exaustiva da matrícula do imóvel e da situação do vendedor imediatamente antes da assinatura da escritura e, idealmente, novamente antes de levar a escritura para registro.
- Risco da escritura não registrada: Uma escritura pública não registrada não confere a plena propriedade ao comprador. O “dono” para o mundo jurídico ainda é quem está na matrícula.
- Ação judicial necessária: Se uma indisponibilidade for averbada após a assinatura da sua escritura, o caminho para o registro será judicial, ou seja, será preciso entrar com um processo para pedir o levantamento da indisponibilidade ou a determinação de que seu registro seja efetuado.
- Para o vendedor:
- Responsabilidade legal: Vender um imóvel sobre o qual recai uma indisponibilidade pode configurar fraude e gerar sérias consequências legais.
- Necessidade de regularização: O vendedor precisa se certificar de que não possui ordens de indisponibilidade ativas em seu nome antes de realizar qualquer transação.
A decisão reforça a tese de que a indisponibilidade de bens impede o registro de alienação voluntária, ainda que a escritura tenha sido lavrada anteriormente.
Por isso, a compra de um imóvel é um dos investimentos mais significativos da vida de uma pessoa. Não permita que a falta de informação ou a pressa comprometam a segurança da sua transação. A complexidade do Direito Registral e a constante atualização das decisões judiciais exigem um acompanhamento profissional.



