Divórcio em tempo recorde: STJ permite decretar a separação antes mesmo da citação

O casamento, em sua essência, é a união de duas vontades. Mas, e quando uma dessas vontades não deseja mais a permanência do vínculo? Popularmente, diz-se que “quando um não quer, dois não brigam”. No contexto do Direito de Família, essa máxima ganha um novo significado com uma decisão revolucionária do Superior Tribunal de Justiça (STJ): se um dos cônjuges não quer mais permanecer casado, o divórcio pode ser decretado de forma quase imediata, antes mesmo que a outra parte seja citada no processo.
Essa importante novidade, consolidada pela 3ª Turma do STJ, permite que o divórcio seja declarado por meio de um julgamento antecipado parcial de mérito, que funciona quase como uma liminar. Ou seja, a dissolução do casamento se torna uma realidade processual com muito mais agilidade, rompendo com a morosidade e o desgaste emocional que muitas vezes acompanham as ações de divórcio.
O Caso Emblemático: divórcio e violência doméstica (REsp 2.189.143)
A decisão do STJ, proferida no Recurso Especial (REsp) 2.189.143, surgiu de um caso onde uma esposa pediu o divórcio cumulado com guarda dos filhos, fixação de alimentos e partilha de bens. A iniciativa foi motivada por um episódio de violência doméstica praticado pelo marido, demonstrando a urgência e a necessidade de uma solução rápida para a situação.
Historicamente, o divórcio no Brasil exigia uma série de requisitos e prazos, como a separação judicial prévia ou um período de separação de fato. No entanto, a Emenda Constitucional nº 66/2010 mudou esse cenário, eliminando esses requisitos e consolidando o entendimento de que o divórcio é um direito potestativo.
O que significa “Direito Potestativo”?
É um termo jurídico importante, mas de fácil compreensão: direito potestativo é aquele em que basta a manifestação de vontade de uma das partes para que ele se concretize, sem que a outra parte possa se opor eficazmente. Ou seja, no divórcio, se uma pessoa quer se divorciar, a vontade do outro não impede que a separação seja decretada. A discussão que restava era apenas sobre o “quando” e o “como” essa decretação poderia ocorrer. E é aí que o STJ inovou.
A inovação do novo Código de Processo Civil: fracionamento da sentença
Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil (CPC) de 2015, o Direito Processual Brasileiro ganhou novas ferramentas para tornar a Justiça mais célere e efetiva. Uma dessas ferramentas, pouco explorada até então, é o julgamento antecipado parcial de mérito, previsto no artigo 356 do CPC.
Tradicionalmente, a sentença judicial era vista como um ato único, que resolvia todas as questões do processo de uma vez. O CPC de 2015 rompeu com essa ideia, permitindo que o juiz decida antecipadamente sobre uma parte do pedido que já está madura para julgamento, mesmo que outras partes do processo (como a discussão sobre a partilha de bens ou a guarda dos filhos) ainda precisem de mais provas e tempo.
Por que isso é bom para o divórcio?
Embora o divórcio venha frequentemente acompanhado de discussões sobre guarda, pensão alimentícia e partilha de bens, a verdade é que o ato de se divorciar em si não depende da resolução dessas outras questões. O direito ao divórcio é autônomo.
Assim, o STJ entendeu que não há razão para que as pessoas precisem esperar anos pela resolução de disputas financeiras ou de custódia dos filhos para que seu casamento seja oficialmente dissolvido. O vínculo matrimonial pode ser rompido imediatamente, por meio do julgamento antecipado parcial do mérito, enquanto as outras questões continuam sendo discutidas no mesmo processo.
Vantagens de um divórcio rápido:
- Rompimento Imediato do Vínculo: Favorece a superação emocional e o início de uma nova fase para os envolvidos;
- Ambiente Mais Propício ao Diálogo: Uma vez que o estresse do casamento formalizado é removido, as partes podem ter mais clareza e abertura para negociar as demais questões (guarda, alimentos, partilha) de forma mais amigável.
- Garantia Constitucional: Assegura o direito fundamental à duração razoável do processo e à efetividade da Justiça.
O entendimento do STJ: um marco para o Direito de Família
A decisão da 3ª Turma do STJ no REsp 2.189.143/SP é um verdadeiro divisor de águas. Ela consolida definitivamente o caráter potestativo do divórcio e inaugura uma nova forma de sua decretação. Não se trata de “ativismo judicial”, mas sim de uma aplicação inteligente das ferramentas que o próprio Código de Processo Civil já oferece, garantindo mais agilidade e respeito à autonomia da vontade.
Essa nova sistemática promove maior efetividade na tutela dos direitos fundamentais ligados à autonomia da vontade e à dignidade da pessoa humana, permitindo que a Justiça acompanhe as demandas de uma sociedade que busca soluções mais céleres e eficientes para os conflitos familiares.
Conclusão: liberdade e agilidade para recomeçar
O STJ envia uma mensagem clara: quem não deseja mais estar casado não pode ser forçado a isso, e o processo judicial não deve ser um obstáculo intransponível para a liberdade individual. A possibilidade de decretar o divórcio por meio do julgamento antecipado parcial de mérito é um avanço significativo, trazendo mais rapidez e menos desgaste emocional para um momento já delicado na vida das pessoas.