STJ confirma que valor do imóvel não afasta a impenhorabilidade do bem de família

24 de dezembro de 2025 - Por: Gabrielle Tesser Gugel,

STJ confirma que valor do imóvel não afasta a impenhorabilidade do bem de família

A proteção da moradia é um dos pilares do sistema jurídico brasileiro, fundamentada no princípio da dignidade da pessoa humana. No entanto, uma dúvida frequente surge quando o patrimônio em questão possui um valor elevado: seria justo manter a impenhorabilidade de uma mansão ou de um apartamento de alto padrão enquanto dívidas permanecem em aberto?

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Recurso Especial nº 2.163.788 – RJ, consolidou um entendimento vital para proprietários e credores, reafirmando que o padrão do imóvel não é critério para afastar a proteção legal do bem de família.

 

O que define um nem de família?

De acordo com a Lei nº 8.009/1990, o imóvel próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza. O objetivo da lei não é proteger o devedor “caloteiro”, mas sim garantir que a família tenha um teto, evitando que o Estado tenha que arcar com o ônus social de famílias desabrigadas.

 

A polêmica dos imóveis de alto padrão

O caso que chegou ao STJ envolvia um imóvel localizado em uma das áreas mais valorizadas do Rio de Janeiro. O Tribunal de Justiça local (TJRJ) havia decidido que, devido ao altíssimo valor do bem, seria possível penhorá-lo e vendê-lo, reservando uma parte do dinheiro (70%) para que o devedor comprasse uma nova moradia, enquanto o restante pagaria o credor. O argumento era de que a “dignidade” poderia ser mantida em um imóvel mais simples, e que manter um patrimônio luxuoso intocável seria um abuso de direito frente ao credor.

 

A decisão do STJ: o valor é irrelevante

Ao analisar o recurso, o Ministro Moura Ribeiro reformou a decisão estadual. O entendimento do STJ foi claro: a Lei 8.009/1990 não estabelece qualquer limite de valor, suntuosidade ou localização para a proteção do bem de família.Os principais fundamentos da decisão foram:

  1. Taxatividade das exceções: A lei já prevê casos específicos em que o imóvel pode ser penhorado (como dívidas de IPTU do próprio bem ou pensão alimentícia). O Judiciário não tem poder para criar “novas exceções” que não estão escritas na lei, como o critério do “valor elevado”.
  2. Dignidade vs. Patrimônio: A proteção recai sobre o espaço de convivência e moradia, e não sobre o valor financeiro que ele representa.
  3. Segurança Jurídica: Se o valor fosse critério, quem definiria o que é “luxo”? O que é luxo em uma cidade pequena pode ser um imóvel comum em uma metrópole. A falta de um critério objetivo na lei impede que juízes decidam com base em conceitos subjetivos.

Onde a lei não distingue, não cabe ao Juiz distinguir

Este princípio jurídico foi a base para cassar a decisão que permitia a “penhora parcial”. O STJ reafirmou que, enquanto o imóvel for o único utilizado para a residência permanente da família, ele está blindado contra execuções de dívidas comuns, independentemente de valer milhares ou milhões de reais.

 

As exceções que você precisa conhecer

Apesar dessa vitória para a proteção patrimonial, é fundamental lembrar que a impenhorabilidade não é absoluta. O imóvel pode ser tomado pelo credor se a dívida for:

  • De financiamento destinado à construção ou aquisição do imóvel;
  • De pensão alimentícia;
  • De impostos (IPTU) ou taxas de condomínio relativas ao próprio imóvel;
  • Decorrente de fiança concedida em contrato de locação;
  • Produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória.

A decisão do STJ no REsp 2.163.788 traz um alento para quem possui um patrimônio consolidado e teme a perda do lar em momentos de crise financeira. Ela reforça que o direito à moradia é um direito social que não pode ser relativizado pelo padrão de vida do cidadão. Para credores, a decisão serve como um alerta para a necessidade de buscar outras garantias e formas de satisfação do crédito que não envolvam o imóvel residencial do devedor.