Tributação dos Contratos Rurais: arrendamento x parceria

24 de outubro de 2025 - Por: Fábio Fernando Martini,

Tributação dos Contratos Rurais: arrendamento x parceria

1. Introdução
A relevância econômica do agronegócio brasileiro é inegável. Junto com esse crescimento, surgem também desafios jurídicos, especialmente no campo tributário, onde a distinção entre contratos agrários — em especial, entre arrendamento e parceria rural — tem gerado repercussões relevantes na prática fiscal.
Este trabalho visa analisar a tributação da renda derivada desses contratos à luz da recente jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), que tem reforçado a tendência de desconsiderar contratos formalmente celebrados como parcerias quando, na prática, se assemelham a arrendamentos.

2. Contratos agrários e o direito tributário
O Direito Tributário, por ser um “direito de sobreposição”, depende dos conceitos definidos em outros ramos jurídicos, como o Direito Agrário. Isso significa que, para a correta incidência tributária, é fundamental compreender a natureza jurídica dos institutos utilizados no setor rural, como “propriedade”, “posse”, “arrendamento” e “parceria”.
Essa interdependência exige do intérprete uma atenção especial à linguagem utilizada na norma tributária, respeitando os limites semânticos e os sentidos estabelecidos nos demais ramos do Direito, principalmente no Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964) e seu regulamento (Decreto nº 59.566/1966).

 

3. Diferenças jurídicas relevantes: arrendamento x parceria rural
A distinção entre os dois contratos é clara do ponto de vista jurídico:

  •  Arrendamento Rural: contrato pelo qual o proprietário da terra cede o uso do imóvel mediante contraprestação fixa (aluguel).
  • Parceria Rural: contrato em que há cessão do uso, mas com partilha de riscos e resultados (produtos ou lucros), conforme percentual estipulado.

O elemento risco é o ponto de inflexão para fins tributários. O parceiro outorgante deve efetivamente assumir riscos do empreendimento rural para que o contrato seja considerado, de fato, uma parceria. Ausente o risco, estaremos diante de um arrendamento — ainda que o contrato esteja rotulado de outra forma.

4. Tratamento tributário de cada modalidade
No caso de arrendamento, a renda auferida pelo proprietário é tratada como aluguel, tributada conforme a tabela progressiva do Imposto de Renda. O rendimento é considerado não rural e, em regra, exige o pagamento mensal via Carnê-Leão, quando recebido de pessoa física.
As deduções admitidas são limitadas (impostos, taxas, despesas de cobrança etc.), o que resulta numa tributação mais onerosa ao titular da terra.
Já em se tratando de parceria rural, a renda é considerada resultado da atividade rural, sujeita ao regime especial previsto na Lei nº 8.023/1990.
Há duas opções para apuração do imposto:

  • Apuração com base no resultado real (livro-caixa): permite deduzir todas as despesas da atividade rural.
  • Apuração presumida: tributa-se apenas 20% da receita bruta.

Além disso, é permitida a compensação de prejuízos de anos anteriores, o que torna a tributação da parceria rural consideravelmente mais benéfica ao contribuinte, desde que os riscos sejam efetivamente partilhados.

5. A descaracterização da parceria rural pelo CARF
As decisões do CARF têm reforçado a necessidade da presença do risco como critério material para validação do contrato de parceria rural. Numa recente decisão (Processo nº 12571.720282/2014-83), houve a desqualificação de um contrato de parceria rural por ausência de comprovação da divisão dos riscos entre os contratantes, é um exemplo desse entendimento.
Naquele caso, o parceiro outorgante recebia remuneração fixa, desvinculada da produtividade ou dos lucros da atividade, o que é incompatível com a essência do contrato de parceria. A decisão apontou que não basta a rotulagem contratual, mas sim que o conteúdo econômico e a execução prática do contrato é que determinam sua natureza jurídica para fins fiscais.
As consequências tributárias da descaracterização são severas:

  • Reclassificação da receita como aluguel, sujeita a tributação mais pesada.
  • Multa de “150%”, prevista no art. 18 da Lei nº 8.023/1990, por fraude.
  • Possível responsabilização criminal, nos termos da Lei nº 8.137/1990, se houver dolo.

 

6. Considerações finais e perspectivas da reforma tributária
Embora o foco da Reforma Tributária (EC 132/2023) esteja voltado ao consumo, o tratamento da atividade rural ainda levanta debates quanto aos regimes favorecidos e à manutenção de créditos presumidos.
A experiência recente do CARF serve de alerta. A simplificação da estrutura tributária não eliminará o dever do contribuinte de refletir a realidade econômica em seus contratos e declarações fiscais. No agronegócio, onde a escolha entre arrendamento e parceria pode alterar significativamente a carga tributária, a clareza jurídica e a boa-fé contratual devem orientar as decisões dos produtores e investidores.